sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Artigo novo no portal Administradores

sábado, 13 de agosto de 2011

Sensibilidade enquanto competência


O administrador do capital humano da empresa vive sobre a corda bamba. Se ele realmente deseja ser um bom gestor de pessoas ele tem que ser humano e humanizador e navega contra a correnteza da mecanicização dos relacionamentos que tanto a pós-modernidade quanto a lógica do mercado nos impõem. É um trabalho de Sísifo.

Em contato com as discussões de grupos profissionais de gestores e de publicações que saem nas revistas se propondo a oferecer dicas aos administradores, nos chama a atenção a quantidade de matérias publicadas que pretendem oferecer chaves para solução de conflitos sem, todavia, ousar tocar no assunto: caráter da pessoa. Recente vimos dois grupos de discussão numa rede social, um sobre temperamento explosivo no ambiente de trabalho e outro intitulado: solidão: o prêmio para a grosseria que bem exemplificam esta questão.

Em recente palestra, Fernando Guimarães[1] provou-nos que a estrutura de gestão de pessoas nas organizações ainda segue o sistema militar de hierarquia impositiva de funções. Ela não tem sido voltada para uma gestão sensibilizadora de seus liderados. O gestor de pessoas tem que: atrair, reter, integrar, motivar e desenvolver pessoas, não apenas recrutar e selecionar. Percebemos então que  a enorme responsabilidade de desenvolver a sensibilidade das pessoas da organização enquanto competência também está sobre o gestor de pessoas. É um árduo trabalho educacional.

A partir das provocações levantadas por Guimarães, fizemos a seguinte reflexão: se a organização enfrenta conflitos de gênero e de gerações, se a geração Y  ocupa a passos largos liderança e se, esta geração, apesar de muito devotada à carreira profissional e ao seu desenvolvimento na organização, é tão ensimesmada que não consegue olhar para o outro, ao lado dele - diferente em gênero, em idade, em valores e em comportamento -  e tentar, junto com ele, desenvolver um bom trabalho, o que podemos esperar da gestão de pessoas dentro dos próximos anos? Como pensar em gestores de pessoas ensimesmados e sem preocupação com alteridade? Como integrar, motivar e desenvolver pessoas com este perfil? Como despertar no ser humano da organização a sensibilidade necessária?

A resposta  passou por perto de algo que já tínhamos percebido e aplicado com sucesso em nossas experiências de gestão de pessoas no terceiro setor: humanizando a organização, sensibilizando a organização, colocando seus participantes em contato programático com o mundo das artes, que fará aflorar a sensibilidade até dos mais endurecidos.

Guimarães nos relatou que conseguira implantar em uma das suas gestões a arte como instrumento de humanização da organização. Em cada empresa que trabalhou de certo tempo em diante, colocou em funcionamento: coral, grupos teatrais,sessões de cinema e todas as formas possíveis de contato das pessoas da organização com o mundo das artes. Esse é um caminho que dá resultado, sensibiliza o ser humano e o torna mais atento às questões da alteridade.

Os Y precisam de mentores, mentores exemplares, não gente que discursa e não pratica o próprio discurso. Ouvimos de um gestor da geração Y o seguinte: “como vamos nos mirar no exemplo destes X e Baby Boomers que não tem compromisso com suas próprias palavras?” Lidar com Y requer estrutura para lidar com duras críticas, ditas na cara, em nome de uma suposta honestidade/franqueza/sinceridade que, ainda que tenham um fundo de verdade, empurram qualquer gestor experiente (mas com auto-estima não trabalhada) para um “espaço existencial” muito desconfortável. Se ele não tiver uma autoestima e um autoconhecimento muito fortes esse gestor experiente ficará semidestruído.

São poucos, também, os gestores X ou Baby Boomers que estão dispostos a encarar a mentoria de alguém na Geração Y. É mais fácil encontrá-los afirmando: "eles são muito cobertos de razão, acham que já sabem tudo". E no fundo, há também poucos Y que acham que precisam ser mentorados, isso é fato. Mas a "segunda milha" precisa ser caminhada pelos dois lados.

Devemos considerar que grande parte deles passou mais tempo na frente do computador, dos video-games e da TV, enquanto crianças, do que se relacionando com outras pessoas. Tato nos relacionamentos não é sua expertise e confundem franqueza com brutalidade, e honestidade com desrespeito.

Nossa constatação é fruto de uma repetição do quadro em vários ambientes organizacionais diferentes num espaço de uns dois anos de observação. Logicamente haverá muitas pessoas que não se enquadram no exemplo citado. Gente difícil é difícil em qualquer fase da vida. Acreditamos que o caminho de construção de relações saudáveis na organização ainda passa pela ternura,obviamente emitida por todos os lados possíveis.

As pressões do cotidiano colocam o gestor de pessoas constantemente em xeque. Sair das situações conflitivas com criatividade cada vez maior, com bons resultados e sem ficar “queimado” durante o processo é o que se espera do administrador de pessoas. Se não formos criativos com as propostas que levamos para a organização, perderemos a oportunidade de construir uma gestão de pessoas relevante para o contexto atual.

Diante de tudo isto nos perguntamos, o papel do gestor de pessoas é administrar pessoas, administrar relacionamentos ou administrar conflitos? Todos três. Separados ou de uma vez. Abertura para o novo, conexão com o que está acontecendo no resto do mundo, na cultura fora da empresa, humanização da organização e espiritualização do ser humano são caminhos possíveis. Basta ter vontade.




[1] Fernando Guimarães atuou como executivo de Recursos Humanos em grandes organizações como Elevadores OTIS, Grupo FIAT, Atlantic, Ipiranga, Suzano além de ter integrado as diretorias do SESI e do SENAI.

sábado, 2 de julho de 2011

Formigamento de espiritualidade

Esses dias, numa reunião de negócios, um executivo muito experiente, dono de uma empresa com a qual a Eagle está fazendo parceria, se referiu ao desejo intenso de se fazer um empreendimento como um "formigamento". Eu achei muito interessante o termo que ele usou para se referir ao modelo de parceria que estávamos estabelecendo entre as duas empresas, cada uma caminhando na sua especialização para satisfazer o seus formigamentos particulares. Isto é sensacional.

Depois disso fiquei me perguntando se é por isso que várias pessoas tem de mim uma noção equivocada, de que sou agitada. Na verdade sou muito serena e tranquila. Contemplativa, quase franciscana. Mas sou formigada constantemente por um entusiasmo que não me larga. Sinto entusiasmo em praticamente qualquer atividade na qual coloco a mão para realizar. Esse formigamento me leva a fazer muitas coisas, às vezes ao mesmo tempo, segundo alguns, é porque sou capricorniana, e dizem os experts no assunto, que capricornianos são muito disciplinados e cumpridores de suas tarefas, mas são meio pessimistas, aí acho que tenho uma dissonância, porque sou uma crente incurável na esperança e na boa fé das pessoas. Vez ou outra levo na cabeça por ter boa fé em gente que não merece, mas não consigo perder a esperança.

Agitação para mim é sinal de ansiedade, não sou ansiosa e quando percebo que estou ficando, mudo imediatamente a direção das minhas ações. Depois dos 40 eu decidi levar a vida com leveza, a máxima leveza que me fosse possível. Não sofro de gastrite muito menos de insônia. Tenho um biorritmo noturno, mas durmo minhas sagradas 8 horas por noite, salvo ocasiões especiais nas quais preciso dar conta de uma tarefa mais árdua que exige um período mais longo de concentração sem interrupções, aí trabalho até o dia clarear, sem sentir. Isso me leva, com muita facilidade ao ativismo, então como já sei dessa tendência, freio este processo sempre que ele tenta assumir controle da minha vida.

Pondero bastante antes de tomar decisões, me cerco de gente mais experiente que eu para me ajudar a decidir, mas não sou indecisa nem morosa, cumpro cronogramas de forma relativamente rigorosa, relativamente porque já faz tempo deixei de me consumir por conta disso. Eu controlo meus compromissos mas eles não me controlam.

Nesta mesma semana, numa conversa com meu coordenador, após mais um dia letivo na universidade,  começamos a refletir sobre o tipo de relação que temos, nós e nossos conhecidos  com nosso trabalho e porque há tarefas e situações que se tornam altamente desgastantes para nós, e algumas vezes, intransponíveis.  Há pessoas que, apesar de velhas ainda não aprenderam a estabelecer, com o seu trabalho, uma relação diferente daquela que se assemelha a uma obrigação, algo que só se faz mesmo  porque se é obrigado. Que triste!

O trabalho é algo tão maravilhoso, o realizar coisas, o poder criar, executar, se orgulhar do que fez, pelo simples prazer de ter feito... Honestamente, eu tenho dificuldade de lidar com meu trabalho como algo ruim e pesaroso. Qualquer que seja ele. Não sei porque nunca, desde criança, consegui encarar trabalho como algo desagradável. Tenho que concordar que determinadas tarefas são enjoadas e até bastante desprazerosas, principalmente porque elas não nos dão a sensação de termos realizado alguma coisa, de estarmos desperdiçando tempo e energia (isso é algo que realmente me deixa passada!) ou porque temos de realizá-las de dentro do furacão ou de uma zona de conflito, mas a maioria dos nossos afazeres não pode ser encarada desta forma. Tenho que concordar com uma frase que atribuem a Confúcio, mas não tenho como garantir que a fonte é essa, quando disse: "mostre-me um homem que ama o que faz e te mostrarei alguém que nunca precisou trabalhar".

Como você tem lidado com seu trabalho? Ele ainda lhe causa aquele formigamento de entusiasmo? Você acorda pela manhã elétrico para fechar aquele negócio, ou para fazer o contato com aquele parceiro, ou simplesmente para estar num seminário, assistindo palestra e fazendo contatos, networking, conhecendo gente nova que, cedo ou tarde poderá se unir a você num novo empreendimento?

Se o seu trabalho já deixou de formigar seu entusiasmo há tempos, me parece que há alguma disparidade entre o que você está fazendo e o que desejaria fazer.Significa que seu espírito está sendo molestado pela atividade, pela profissão, isso vai acabar te matando.  É hora de mudar o rumo da carreira profissional. Falo isso a partir de uma experiência muito recente que vivi, depois de me dedicar por 15 anos a uma atividade específica (dentro do aspecto mais amplo da minha profissão), o rumo que as coisas foram tomando conseguiu apagar toda a chama interior que eu possuía para realizar aquela atividade. Foi-se a alegria e o entusiasmo, o formigamento cessou e se transformou em tristeza e pesar. Era hora de mudar o rumo. E foi o que eu fiz, e estou feliz novamente.

Dizem alguns especialistas, que a motivação nunca está do lado de fora, está sempre do lado de dentro. Se não há desejo, vontade formigando dentro do nosso espírito, não há palestra motivacional que levante você de sua cadeira. Tem que haver uma chama lá dentro, que queima e incendeia sua vida, que te dá razão de existir. Eu chamo esta chama de espiritualidade. É a relação que seu espírito desenvolveu com aquilo que dá sentido à sua existência e que te move para frente, para cima, sempre avante, sem desistir, nunca.

Eu sentei aqui para teclar dois poemas que escrevi na semana passada e ainda não tinha tido oportunidade de postá-los no meu outro blog "Relendo a Bíblia". De repente me vi escrevendo um texto para cá, para o Espiritualidade Organizacional. Então vou concluir aqui e depois posto os poemas no outro blog.

Que tal usar este fim de semana para um tempo de contemplação? De contato com a natureza, com o Criador, cultivando sua espiritualidade, buscando dentro de você aquela chama que parecia estar extinta... 

Tente! É maravilhoso. Tenho sido tão abençoada por momentos de contemplação que passei a fazer estes momentos com uma frequência regular e agendada. É algo que oxigena minhas ideias, minha razão de existir e que me dá forças para continuar trabalhando todos os dias como se fosse meu primeiro dia no emprego , e ainda o fará por muito tempo.

Serenidade, leveza e saúde espiritual para você.


sexta-feira, 17 de junho de 2011

"Negócio da China" A disciplina como competência emergente

Ôpa!

Depois de uns dias ocupados com formulação de provas e produção de artigos científicos,  esses "ossos do ofício", eis-me aqui novamente para escrever textos menos densos.


No dia 13/05 participamos do painel do Clube do Conhecimento sobre a temática "Disciplina: competência emergente". O objetivo do painel era trazer um olhar tridimensional da Disciplina como competência necessária aos gestores da atualidade. Este texto é uma parte daquilo que compartilhamos na ocasião com os ouvintes do Clube. Também integra um artigo bem maior intitulado: Gestão de pessoas, gestão de relacionamentos ou gestão de conflitos? O administrador em xeque, que sairá publicado na Revista Administração em Debate dentro de alguns meses.


A palavra “disciplina”, quando mencionada em nossa cultura é, em geral, associada a significados restritivos e de subserviência. Num rápido brainstorm, pensemos numa única imagem que defina a palavra disciplina. Salvo raras exceções, a primeira imagem que nos vem é a de um grupo militar em formação ou em marcha.

Na cultura latina, uma cultura na qual a liberdade corporal, verbal e emocional aflora com grande profusão e, em certos casos até com profusão desmedida, disciplina sempre veio vinculada à repressão de comportamento, daí a nossa imagem inicial ser a de um grupo militar em formação e nossa relação com esta palavra ser de certa aversão, até mesmo por conta da memória de opressão que as ditaduras militares imprimiram em nosso continente.

Quando se fala “disciplina” em culturas como a alemã e europeias, em geral, a imagem que virá à mente dessas pessoas provavelmente será a de uma pessoa estudiosa e pesquisadora, com muito compromisso metodológico naquilo que estiver fazendo. Se falarmos a palavra disciplina na Ásia – entenda-se Japão, China, Coréia e Filipinas, só para elencar alguns exemplos que nos serão úteis aqui, a imagem será uma espécie de associação de ambas as visões, porém associada a um rigor comportamental com um nível de intransigência tão grande que aos olhos de um latino pareceria absurdo.

Muitos de nós, latinos, temos chamado os rapazes deste vídeo de "robozinhos", esse foi, inclusive, o apelido que eles ganharam do apresentador de programa de TV famoso em nosso país, que na sua ignorância, não conseguiu perceber que, para os japoneses, esta precisão, esta disciplina, esta coesão de movimentos é algo digno de honra e de prêmio, prêmio conferido aos rapazes, estudantes de educação física depois desta marcha coreografada perfeita.


Essa diversidade de compreensões sobre o conceito se dá pelas diferentes cosmovisões que cada cultura carrega. Logicamente isso afeta um administrador de uma companhia multinacional que será transferido do Brasil para a China, por exemplo. Mas também afetaria o chinês que viesse trabalhar no Brasil. Em tempos de “negócios na China” é muito importante termos isso em perspectiva.

Disciplina vem de dois grupos semânticos de significados. O primeiro é restritivo. Nele disciplina significa sempre observância estrita de regras, disciplina militar, submissão, obediência às autoridades, castigo, mortificação, punição. O segundo campo semântico é o construtivo. Neste grupo, o dicionário nos define disciplina como: sujeição das atividades instintivas às refletidas, é proceder corretamente e não dominado por impulso ou por instinto.

Neste sentido, disciplina tem sido recuperada como uma competência que promove o desenvolvimento de inúmeras atividades. Indisciplina seria, então, o proceder incorretamente e sujeitar as atividades refletidas às instintivas. A consultoria em coaching tem crescido tanto nos últimos tempos justamente por trabalhar a associação da disciplina não com a ideia de falta de liberdade, mas sim como uma alavancadora de grande potência para se atingir objetivos e metas pessoais.

Disciplina enquanto competência exige que sejamos autodidatas em autogestão, exige que conheçamos quem são os atores e seus papeis dentro da organização e, sobretudo, exige um grande nível de autoconhecimento. A disciplina, quando desenvolvida como competência, transforma a pessoa, compromete-a em alto grau com o equilíbrio, com a coerência e com a ética. Os maiores inimigos da disciplina somos nós mesmos pois disciplina é uma certificação da família ISO 9000 para a gestão de qualidade da nossa própria vida, a famosa empresa My Life ltda.

O administrador que não é disciplinado sabota a própria carreira, pois se torna uma antítese das bases do exercício da administração: planejar – organizar – liderar – controlar. A disciplina exige planejamento estratégico (e análise SWOT) sobre a própria vida e carreira e demanda administração por objetivos (APO) sobre as áreas complexas. Exige postura autocrítica, então demanda do administrador uma avaliação 360 graus de si próprio  e monitoramento continuado do próprio desempenho.

Se, no exercício da gestão de pessoas, colocarmos como metas pessoais aquilo que esperamos dos empregados da organização, por certo teremos grande desenvolvimento pessoal no campo da disciplina, e como disciplina gera equilíbrio e coerência a dissonância cognitiva sobre nossa liderança  será minimizada ou até eliminada pois disciplina trabalha profundamente na reabilitação do caráter

Um exemplo muito interessante do quanto a disciplina consegue reabilitar o caráter está no caso do CPDRC – Cebu Provincial Detention and Rehabilitation Center. Byron Garcia, administrador formado e gestor de sucesso no mercado corporativo das Filipinas, a pedido da governadora da província, deixou a carreira empresarial e assumiu a direção do presídio, após uma rebelião que tinha capturado vários reféns menores de idade em 2005. Acredita firmemente que os presídios precisam ser espaços de reabilitação ao invés de punição, e aposta na disciplina como instrumento de reabilitação de caráter que muda a índole dos criminosos. 

Byron desenvolveu um programa extraordinário de exercícios físicos com música que transformou o grupo de 1500 detentos do CPDRC num grande grupo coreográfico. O presídio ganhou projeção internacional, os presos melhoraram a auto-estima pois se perceberam valorosos para a sociedade e a disposição para cooperação e construção de um futuro diferente após o tempo de cumprimento da sentença. O CPDRC tornou-se ponto turístico na cidade de Cebu e atraiu para lá inúmeros repórteres das grandes redes internacionais de notícias como a BBC e CNN quando Byron  mostrou seu trabalho ao mundo. O canal do CPDRC no youtube já recebeu milhões de visitas e o modelo de reabilitação tem sido exportado para outras partes do mundo. 

Fique aqui com um belo clip da música They don’t care about us, de Michael Jackson, produzido pelos detentos do CPDRC.






sábado, 14 de maio de 2011

Vai um pouco de carinho aí? (sobre conflitos entre Y, X e Baby boomers)

Esses dias eu li um artigo no portal Administradores.com sobre o temperamento explosivo no ambiente profissional.  Eu já tinha esse texto começado sobre o assunto. Não o considero completo e estou consciente que há vários aspectos a serem amadurecidos nas minhas reflexões aqui, mas resolvi socializá-lo com vocês de forma bem leve, sem as exigências de uma pesquisa de campo com o devido rigor acadêmico, apenas como notas de rascunho de uma observadora do clima e da cultura organizacional, que achou o quadro muito curioso e decidiu escrever sobre isso antes que a ideia escapasse. Além do que, no artigo passado falei da transparência da Geração Y e sinto que ainda preciso desdobrar este assunto por algum tempo, pois qualquer generalização das situações é sempre muito perigosa.

Nos últimos anos eu presenciei  algumas situações muito excêntricas nas organizações, que preciso reportar aqui pelo número de vezes que elas se repetiram estar além do nomal. Tratava-se de aprendizes que projetavam nos seus mentores uma exagerada expectativa de perfeição. Praticamente idolatravam estes  mentores, e quando "descobriam" que eles eram meros mortais, falhos como qualquer ser humano normal, demonstravam sua fúria das mais diversas formas. Em geral com mensagens de e-mails quilométricas, verborrágicas, cuja coerência de linguagem destoava totalmente do escopo da relação entre mentor e mentorado e invadia, com bárbaros julgamentos difamatórios,  a vida pessoal do mentor, até pouco tempo atrás  idolatrado. Eram palavras tão duras, ditas em nome de uma suposta honestidade/franqueza/sinceridade que empurravam o mentor de um abismo e o precipitavam para abaixo do nível do mar... e digo do Mar Morto, que está 400 m abaixo. Isso no ambiente organizacional é um transtorno infernal.

Nas vezes que isso aconteceu eu fiquei me perguntando: onde foi que aquele mentor errou tanto para merecer um tratamento tão cheio de ingratidão e violência? Eu observei  algumas questões, e como disse antes, carecem de mais maturação, mas ainda que consiga aprofundá-las depois, minha linha de raciocínio continua na mesma direção, então pontuarei a peculiaridade dos fatos para depois tentar construir uma resposta, ainda que provisória.

1) Todas as vezes que presenciei esta explosão indignada de um mentorado tratava-se de um mentor experiente (X ou Baby boomer) sendo enfrentado por um mentorado Y.

2) Todos os mentorados Y que procederam desta forma eram intelectualmente brilhantes.

3) Todos os mentores que foram tratados assim eram profissionais magníficos, com competências, produtividade e  ética superiores às da maioria dos gestores de suas gerações.

4) Todas as vezes que um mentorado procedeu desta forma ele nutrira, por seu mentor, uma vinculação afetiva tóxica,  de intensidade parecida com uma dependência química.

5) Todas as vezes que um mentorado Y agrediu verbalmente seu mentor X ou Baby Boomer, ele estava totalmente convencido de ter poderes para corrigir seu mentor.

6) Esses mentorados tinham plena convicção que, com aquela explosão, estavam prestando um serviço à sociedade, já que são poucas as pessoas que teriam coragem de serem honestas como eles o foram.

7) Os mentorados eram pessoas com convicções morais e éticas profundamente arraigadas e muito idealistas.

É fato que quem não chegou aos 40, 45 ou 50 anos ainda não experimentou as melhores coisas da vida. Falo isso porque estou nos meus orgulhosos 45 e a beleza da vida agora não tem comparação com aquilo que eu conseguia perceber quando tinha meus 20 e poucos ou 30 anos, era uma visão completamente daltônica da vida. Depois dos 40 a mente abre de uma forma assombrosa e olhamos para trás nos sentindo infinitamente infantis até o "dia de ontem", quando tínhamos 39. Então me incomoda que pessoas nos seus 25 - 35 anos acreditem mesmo que tem bagagem suficiente para corrigir pessoas mais velhas com aquele nível de verborragia que presenciei e se sintam ofendidas quando não lhes damos esse crédito.

Mas me incomoda ainda mais que os jovens que mencionei, se mantivessem tão dependentes da imagem perfeita que construíram sobre seus mentores, esquecendo que eles também são humanos e imperfeitos como qualquer outra pessoa. Expectativa muito alta, queda catastrófica.

O que faz, mentes brilhantes, com tanto potencial criativo, passarem por uma descompensação emocional deste nível,  a ponto de quebrarem relações com seus mentores, pessoas que lhes seriam tremendamente importantes por toda a vida?  Que necessidade é esta de manter seu mentor-herói numa redoma tão protegida pelo imaginário do mentorado que nem o próprio mentor tem direito de sair daquele espaço? Se o mentor ousa sair, o mentorado prefere matá-lo com palavras escolhidas para machucar.

Quem estes jovens respeitavam de verdade? A pessoa do mentor ou a imagem que construíram sobre ele? É fato também que são poucos os mentores X ou Baby boomers que estão dispostos a encarar uma mentoria de alguém na Geração Y. É mais fácil encontrá-los afirmando: "eles são muito cobertos de razão, acham que já sabem tudo". E no fundo, há poucos Y que acham que precisam ser mentorados, isso é fato. A "segunda milha" precisa ser caminhada pelos dois lados.

Eu suspeito, e alguém certamente irá discordar de mim,  que muitos destes jovens profissionais sentem uma enorme necessidade de possuir super-heróis, mas não estão encontrando bons exemplos a seguir. Talvez porque muitos deles foram criados sem presença efetiva dos pais, que por sua vez estavam envolvidos demais com o trabalho e preferiram lhes dar coisas  para tentar sarar esta ausência física e emocional imperdoável. Provavelmente foram jovens que passaram mais tempo na frente do computador, dos video-games e da TV do que se relacionando com outras pessoas. Não tiveram oportunidade de aprenderem a ter tato nos relacionamentos e confundem franqueza com brutalidade, honestidade com desrespeito, pois reparo certo nível de comportamento anti-social agregado a isso tudo com alguma frequência.

"Freud explica", logicamente muito melhor que eu, mas talvez estes mentorados tenham, no fundo, uma carência paterna/materna que acaba sendo nutrida no ambiente  profissional pela figura de seus mentores. E quando estes mentores não correspondem ao perfil que construíram no imaginário destes jovens eles se tornam imediatamente alvos de apedrejamento.

Os Y  são rapazes e moças com alta dose de idealismo ético, e que muitas vezes se vêem atrapalhados na hora de colocar estas ideias em prática. Eles precisam de mentores que os ajudem a trilhar este caminho, então quando um desses mentores os decepciona, a fúria é muito grande e a maturidade para lidar com a questão só vai chegar quando eles estiverem com a nossa idade.

Em outro texto aqui neste site, eu falei que em geral se pensa que eles são altamente egocentrados, mas há variantes desta situação que realmente nos surpreendem pois são os Y que estão mais preocupados com as questões de sustentabilidade e responsabilidade social. Há um potencial de alteridade que ainda não foi devidamente trabalhado nos Y que se mostra um completo desperdício de talento.

Obviamente nem todos os Y se enquadram nesta descrição. Minha constatação é fruto de uma repetição do quadro em vários ambientes diferentes num espaço de uns dois anos. Logicamente haverá Y que não correspondem a este perfil. Há Y e X e Baby boomers que são simplesmente intratáveis. Gente difícil é difícil em qualquer fase da vida. Mas eu acredito que o caminho de construção de relações saudáveis neste abismo de gerações ainda passa pela ternura,obviamente emitida dos dois lados.

Sem querer fazer propaganda do tal banco, há campanhas publicitárias inteligentes que merecem aplauso, esta é uma delas.O mundo está mudando, a possibilidade de tantas gerações terem que conviver juntas no ambiente profissional só aumenta a cada dia. Temos que encontrar formas mais holísticas de resolver esses tantos conflitos.


Se a gente tentar, será que dá certo?
Vai um pouco de carinho aí?



sábado, 30 de abril de 2011

Geração Y: se não pode vencer, alie-se a ela!

Eu ando muito interessada em estudos sobre a Geração Y. Considero o tema fascinante. Talvez porque tenho filhos na geração Z e os Y me servem de ponte para entender  porque os Z  gastam uma grana enorme para ir ao cabeleireiro deixar o cabelo esquisito ou comprar roupas que não combinam. Mas confesso que os muitos estudos que tenho lido nesta área andam bastante repetitivos e nada práticos.



Lido diretamente com o entusiasmo desta "galera" na sala de aula e, ao mesmo tempo que percebo as muitas debilidades na  maturidade e na ética, a Geração Y me encanta pela sua criatividade, bom humor, rapidez e inovação tecnológica. Aliás, ela consegue se divertir com cada coisa tão idiota! O conceito de humor inteligente desta geração é totalmente diferente de humor inteligente para a minha geração. Eu gosto muito de tudo isso reunido. E convenhamos, todos nós sabemos que maturidade só chega mesmo com o tempo e com a milhagem percorrida nesta estrada da vida. Quem de nós era maduro na idade deles?


Embora eu seja Geração X mas carregue comigo muitos dos valores dos Baby Boomer tardios, tenho que admitir que trabalhar com a Geração Y me estimula, me revigora, e aflora lá de dentro de mim  juventude mental (e até física - que às vezes esqueço que tenho). Enquanto escrevia este artigo,  me dei conta de que meus docentes mais participativos são os da Geração Y, e até meu sócio é desta geração.

A Geração Y me mostra uma transparência engraçada. Os integrantes deste grupo  são tão autênticos e gostam tanto de se posicionar convictos frente aos desafios (mesmo sem a devida maturidade) que ficam facilmente expostos quando dão uma "mancada". Isso me faz pensar que, num certo sentido, eles acabam sendo mais confiáveis, já que não fazem questão alguma de ocultar o que são e mesmo errando, tem mais ousadia para exposição.

Estes dias eu navegava pelo YouTube e encontrei um episódio polêmico do programa O Aprendiz - temporada 4, gravado em 2006, no qual Roberto Justus demitiu dois concorrentes de uma mesma equipe - incluindo o líder -  por conta de uma questão que envolvia suborno. A situação ali mostra muito claramente essa questão da transparência flagrante.

Apesar de Geração Y ser um tema tão saturado nos debates atuais, por que tudo isso ainda é tão importante para nós?

Em primeiro lugar pela situação do mercado. Em pesquisa da Global Entrepreneuriship Monitor (GEM) sobre a evolução do empreendedorismo no Brasil, divulgada recentemente pelo SEBRAE se constata que o número de negócios com até 3 meses de atividade cresceu 97% em relação a 2008, quando apenas 2,93% da população adulta tocava empreendimentos. Em 2009 a taxa subiu para 5,78% sendo que 52,5% destes novos empreendedores estão entre 18 e 34 anos de idade! A pesquisa é coordenada com participação de institutos como o London Business School e o Babson College e o Brasil participa pela décima vez deste monitoramento mundial. Veja aqui a pesquisa.

Em segundo lugar porque o ambiente corporativo não tem alternativa. Geração Y na liderança das empresas é um fato irreversível. Temos que nos adaptar à realidade e aprender a lidar com a situação. Até mesmo porque  o perfil deste grupo não é nada homogêneo e qualquer generalização acaba sendo sempre muito injusta. O que fazer então? Investir tempo para aprender a lidar com ela é um grande passo.

Um estudo recente realizado entre pesquisadores do IBMEC mostra que a Geração Y está muito preocupada com o que acontece no mercado de trabalho altamente competitivo e procura estabilidade profissional com níveis de formação superior cada vez mais elevados. Eles saem na frente de tantos de nós que nunca nos interessamos tanto pela especialização.

O mapeamento em profundidade feito entre estudantes de administração de várias IES mostra também que o perfil não é homogêneo e esta geração consegue ser dividida em perfis distintos, conforme a visão que tem sobre a vida e o trabalho: engajados, preocupados, céticos e desapegados. Segundo Lúcia Oliveira,  que coordenou a pesquisa

"...esses jovens, por serem altamente tecnológicos têm uma relação com a comunicação diferente da geração anterior ... conseguem ver televisão, trabalhar no computador, conversar no MSN... e ainda ouvir uma musiquinha. Essa característica, as gerações anteriores não tem".


Não temos por onde escapar. A Geração Y está In Company, e temos que parar de tratá-los como  "os outros" (inimigos imaginários) e nos aliarmos a eles como mentores amigos, extraindo desses rapazes e moças seu melhor, sua essência e nos nutrindo desta força que eles transbordam com tanta exuberância. 

No brainstorm final do último encontro do Clube do Conhecimento  me pronunciei sobre isso, pois honestamente penso que  a Geração Y necessita muito mais da nossa mentoria e parceria do que da nossa crítica ou contenção de entusiasmo. Não adianta bancarmos os vovôs ou papais rabugentos exigindo deles uma maturidade que não terão tão cedo. Nós também levamos tempo para chegar onde chegamos. Enquanto isso, eles que nos contagiem com essa energia e nós que os ajudemos com a experiência.


Precisamos focar no potencial  temos diante de nós. A geração Y, nascida numa economia que percorre a via da globalização e produto  da sociedade pós-moderna,  profetizada como sociedade do individualismo, da secularização e do utilitarismo pragmático, é de fato a geração que está mais envolvida com sustentabilidade, responsabilidade social. E apesar do incrível paradoxo que isto representa, nunca se falou e tanto em alteridade e foram tomadas tantas iniciativas neste sentido,quanto neste tempo, em que a Geração Y domina os ambientes à nossa volta e realmente encabeça tantos destes projetos.

Talvez tenhamos que fazer uma auto-análise muito franca e vermos, até que ponto nossas críticas a esses rapazes e moças não está carregada de um ressentimento barato, oriundo de uma crise de meia-idade instalada, porém dissimulada no meio do ativismo dos gestores da geração X ou dos baby boomers? 

Está na hora de nos permitirmos contagiar com o entusiasmo da "galera" e colocarmos para fora a juventude da nossa alma imortal que está encalacrada nesta carcaça de meio século (ou um pouco mais) e nos lembrarmos que a mente humana não envelhece, então de fato, eu e você - X ou baby boomer -  também somos Geração Y, de um jeito ou de outro.


Shalom!

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Sobre ética: pensando em voz alta



Eu tenho ficado surpresa com  a quantidade de estudos sobre ética nos negócios que são  publicados ultimamente. Mas me assusta que ética seja uma palavra bonita na boca de muitos empreendedores e pouco praticada na sua integridade. Na verdade, a sensação que me dá é que certas pessoas não fazem a menor ideia do que estão falando quando discursam sobre ética.

Dentro de alguns dias participarei de um painel na Uniabeu sobre dilemas éticos do cotidiano corporativo e quando estou nesses momentos pré-palestras eu fico mais atenta aos insights que ocorrem diariamente à minha volta.

Vamos a uma parábola sobre este assunto. Um CEO possui uma pequena empresa. Vamos imaginá-lo como um desses sujeitos que muito discursa sobre ética. Durante algum tempo fora representante de outra organização, maior, mais respeitada cujo nome por si só era vendável, mas nos últimos 6 meses já não era mais.

Seis meses após encerrada a representação, ele convida um Diretor Executivo para assumir a representação da grande empresa oferecendo-lhe sociedade nos negócios.Em nome da grande empresa o Diretor Executivo abriu várias oportunidades de parceria.

Como ética é algo que não se discursa, se vive, passado algum tempo, o Diretor Executivo percebe inúmeras incoerências entre o discurso ético do CEO e sua prática. Passa a investigar aquilo que acha suspeito. Descobre pela matriz da grande empresa que não havia mais representações da mesma naquela cidade e que o CEO usava o nome da grande empresa para criar oportunidades negócios mas concretizava os negócios em nome da pequena empresa de sua propriedade não informando nem à grande empresa da sua parcela de lucro nem aos seus clientes que o negócio fechado não estava mais sendo feito com a grande empresa.

Qual deve ser a atitude do Diretor Executivo?

  • Desligar-se da equipe e perder sua oportunidade de negócios?
  • Informar à grande empresa das operações irregulares feitas em nome dela naquela cidade?
  • Informar aos stakeholders da representação ilegítima?
  • Informar aos companheiros de equipe da ilegitimidade de representação?
  • Tirar o corpo fora, em silêncio e deixar que cada um descubra a verdade por si?
  • Entrar no jogo do CEO e ganhar muito dinheiro de forma ilegítima?
  • Tomar partido pela verdade mesmo sabendo que o CEO forjaria um meio de processá-lo?

Perguntas difíceis de responder, não é mesmo? E você, o que faria se estivesse nesta situação?


Rubem Amorese [1] escreveu um capítulo intitulado: "A ética que brota do amor" que mexeu bastante comigo.  A síntese de seu artigo é que a ética só pode ser bem sucedida quando ela brota de algo maior, quando a motivação  é amor que sentimos por Deus e pelo próximo, que é expressão da divindade neste mundo, pois ética pressupõe relacionamento com as pessoas e com Deus.

Amorese nos pergunta: de onde vem a força para dizer não, num mundo que diz constantemente: "eu tenho esse direito"? Como saber quais comportamentos são os melhores? São corretos e melhores só porque a sociedade nos propõe? E se esta sociedade, sem perceber, eventualmente nos propuser comportamentos que são fonte de um mal-viver?


O uso do poder não garante mudança de comportamento porque não muda o coração. Uma ética originada no poder constrói a vida dentro de um sistema no qual o que mais importa é não ser flagrado no erro, não ser punido publicamente. 

E é isso que tenho visto em abundância no ambiente corporativo. Muitos diretores, CEOs e gestores de pessoas falam de ética, a ponto de ficar com a boca entupida de discurso. Ética é uma palavra bonita, que tributa respeitabilidade ao seu orador. Afinal, só deveria falar de ética uma pessoa que preza a ética ou que tem alguma autoridade moral para falar do assunto.

Eu acredito que quando o amor por Deus e pelo próximo está nas nossas entranhas e fornece energia vital para tudo que fazemos, fornece sentido para nossa existência. Nossas decisões, nestes casos, tomarão sempre o caminho de justiça pelo próximo que representa Deus nessa terra. Seja este próximo um cliente que comprará um produto errado, seja este próximo os diretores de uma empresa que estão sendo roubados ou seja este próximo meu colega de trabalho que está sendo enganado.

Apesar de o timbre de voz de Ana Carolina não estar na lista do meu gosto musical, que é um pouco "específico demais", segundo um amigo muito querido, admiro-a como artista e como intérprete. Num de seus shows ela fez esta belíssima interpretação que quero compartilhar com você.


Desejo que a Páscoa - ou Pesach -  e todo o simbolismo que ela representa na passagem de uma vida antiga para uma vida nova, te ajude a escolher o caminho da ética como modelo de vida e não apenas como palavrório.

Boa Páscoa - Pesach - para você!


[1] Rubem AMORESE. A espiritualidade e a ética cristã. Em: Nelson BOMILCAR (org.). O melhor da espiritualidade brasileira. São Paulo: Mundo Cristão, 2005 (p. 131-146)



sábado, 2 de abril de 2011

Adoecidos pelo perfeccionismo

Você consegue administrar seu complexo de andróide?

Vivemos numa época de potencialização de talentos, otimização de resultados, maximização de produtividade e demandas exageradas por inovação e criatividade.  Essa cultura nos pressiona de todos os lados e nos cria uma visão distorcida da vida, das pessoas e do mundo que nos torna completamente neuróticos, incapazes de verdadeiramente viver a vida. Desfrutá-la, então, é uma utopia que passa longe, muito longe.

Cada um de nós recebe, diariamente, tarefas a serem realizadas, o que já nos toma muito tempo, energia, concentração e esforço. Mas há um tipo de gente especialista em assumir, além das suas tarefas cotidianas e profissionais, uma infinidade de outras atividades desnecessárias, que só servem para aumentar sobre si a carga de cobranças e responsabilidades, sequestrando cada  segundo de paz e equilíbrio emocional. Bem, eu já passei desta vida!

*******
Diálogo ao telefone
(num "pleno janeiro", no Rio de Janeiro)

- Professora, nós gostaríamos de agendar com a senhora uma oportunidade para ser palestrante num encontro acadêmico aqui em Belém, em  nossa faculdade, mas precisa ser no segundo semestre...


- Olha professor eu gostaria muito, mas no segundo semestre estarei envolvida nas cinco faculdades onde trabalho todos os dias da semana durante a noite, e participando de dois processos seletivos para o doutorado em duas universidades federais, pois não sei em qual delas passarei,  sem contar um concurso público para o qual estou estudando bastante, tenho que providenciar um professor substituto para ter condições de viajar para sua cidade ... para quando mesmo seria?

- Meu Deus, professora! Quando é que a senhora vive?
(lamentavelmente baseado em fatos reais)

*****

Quando não se sobrecarregam com muitas atividades desnecessárias, os adoecidos pelo perfecccionismo injetam uma dose sobre-humana de exigências nas próprias tarefas do dia-a-dia que, para conseguir realizá-las, eles tem que abdicar da humanidade, serem transformados em andróides ou cyborgs: blindados, inatingíveis, invioláveis, impenetráveis, intocáveis e, é claro, solitários. Gente que perde a capacidade de desfrutar a vida só vive sozinha, já reparou?

Lido com essa questão há muito tempo porque desde que me entendo por gente sou perfecionista e sempre impus altos níveis de exigência em tudo que eu faço. Até um dia, uns quinze anos atrás, em que ouvi, do meu analista, a doce reprimenda:

- Lília, ser assim não te torna melhor do que ninguém. 
Você vai acabar se matando. 
Você precisa ler um livro chamado: 
"Todo mundo é incompetente, inclusive você" ... 
(Palavras de Olavo)

Bem, até hoje não li o tal  livro (embora esteja na lista do zilhão de coisas que preciso ler) mas só o título do bendito me ensinou a lição que eu precisava.

Até aquele momento eu não tinha me dado conta que eu fazia as coisas daquele jeito por vários motivos, mas principalmente para receber aprovação das pessoas. No meu complexo de andróide eu chamava aquilo de excelência, mas era incapaz de simplesmente "chutar o balde" e me dar ao direito de parar tudo e tomar uma taça de vinho, assistindo TV, com deliciosos queijinhos ao lado, simplesmente desfrutando o momento. Não conseguia parar tudo, colocar a bike no carro e ir pedalar na Lagoa sem ficar me sentindo culpada pelo tanto de coisa que deixei de fazer.

Vários motivos nos levam a agir desse jeito psicótico e obcecado. Não quero fazer uma análise muito profunda aqui porque vai demorar, hoje é sábado e, embora escrever muitas vezes me relaxe, como agora, dentro de alguns minutos eu vou abrir a garrafa de vinho que ganhei de presente, desempacotar os queijinhos deliciosos que comprei e vou assistir meus filmes, sem dar à ninguém o direito de interferir neste meu momento de puro egoísmo. Mas tenho que me policiar constantemente para não ser seduzida pela adrenalina deste ativismo doentio que me levaria à nocaute e me impediria de ser feliz.

Por isso vou falar rapidamente das minhas observações sobre o complexo de andróide do ser humano do séc. XXI e espero que ajude aos leitores a olharem para a qualidade de vida que estão levando.

Por que as pessoas se tornam adoecidas pelo perfeccionismo?

Falta de Auto-Conhecimento: Parece brincadeira, mas tem muita gente que acha que se conhece, mas não se conhece. São pessoas que possuem impressões totalmente distorcidas sobre elas próprias, não sabem reconhecer onde estão seus limites, seus potenciais e não conseguem discernir entre aquilo que lhes faz bem - e que devem abraçar com calorosa acolhida,  e aquilo que lhes faz mal - que devem rejeitar sem medo de ser feliz. Não sabem filtrar aquilo que se aproxima delas. Ficam danosamente próximas do perigo, quando se dão conta estão num estilo de vida  autofágico,  se consumindo.

A segunda amiga íntima do perfeccionismo doentio é a Falta de Auto-Estima. Essa então é mais sutil do que a falta de auto-conhecimento. Porque admitir que não se conhecem tão bem, algumas pessoas até admitem, mas admitir que tem auto-estima ruim é como assumir uma doença incurável e perniciosa. Ninguém admite que tem uma baixa auto-estima porque isso implicaria em talvez procurar ajuda profissional, aí as pessoas vão ficar "achando que estou maluco"... quanta tolice! A falta de auto-estima faz a gente se encher de atividades para agradar as pessoas e dificilmente fazer algo para agradar a si próprio. É uma praga, uma corrosão da alma que vai comendo, comendo, comendo, até que te oxida completamente.

Falta de Humildade - Muita gente que tem baixa auto-estima projeta suas reações em atitudes opostas, a psicologia explica isso muito bem. Elas se tornam prepotentes, auto-suficientes e possuidoras de uma arrogância que as torna incapazes de aceitar a ajuda de uma pessoa mais simples que não consegue fazer um trabalho" tão bom quanto o dela". Sabe aquele tipo de líder que está o tempo inteiro reclamando da qualidade do trabalho de alguém de sua equipe porque nunca está suficientemente bom? Ao invés de orientar o liderado a conseguir encontrar por si mesmo o caminho de excelência naquela atividade ele arranca o trabalho da mão da pessoa e "retoca", alterando tudo que o liderando  fez. Conhece alguém assim? É dele que estamos falando. Esse é o cara!

- Lília, está na hora de você perceber que as pessoas não tem obrigação de ser "tão maravilhosas" quanto você!
(Palavras de Olavo)

Falta de humildade nos leva a não reconhecermos os nossos limites. Nos faz  incorporar uma auto-suficiência que só vai nos levar para o buraco do fracasso nos relacionamentos. Falta de reconhecimento de limites é arrogância, pura presunção. Um líder que não sabe se relacionar, dispensa maiores comentários.

Em Good to Great Jim Collins reporta que empresas com alta performance - que ele classificou como "empresas feitas para vencer" - apresentaram curiosa semelhança nos seus melhores líderes:
1) Apresentavam elevados níveis de determinação
2) Eram humildes
Ele se refere a estes líderes como pessoas "aparentemente comuns, quietamente produzindo resultados extrordinários". Rick Boxx completa a ideia dizendo: "os líderes que a equipe de Collins estudou compreenderam os perigos de serem apanhados na armadilha da presunção".
Para ler o artigo completo clique aqui

Por fim, vou compartilhar aqui um texto espirituoso que recebi por e-mail dias atrás. O texto não é novo mas o conteúdo é sempre atual, e por incrível que pareça,  eu não o conhecia.

Tenha uma ótima semana porque agora eu vou abrir aquela garrafa de vinho!

DOZE CONSELHOS PARA TER UM INFARTO FELIZ
Dr. Ernersto Artur - Médico Cardiologista

1) Cuide do seu trabalho antes de tudo. As necessidades pessoais e familiares são secundárias.

2) Trabalhe aos sábados o dia inteiro e, se puder, também aos domingos.

3) Se não puder permanecer no escritório à noite, leve trabalho para casa e trabalhe até tarde.

4) Ao invés de dizer não, diga sempre sim a tudo que lhe solicitarem.

5) Procure fazer parte de todas as comissões, comitês, diretorias, conselhos e aceite todos os convites para conferências, seminários, encontros, reuniões, simpósios e etc.

6) Não se dê ao luxo de um café da manhã ou uma refeição tranquila. Pelo contrário, não perca tempo e aproveite o horário das refeições para fechar negócios ou fazer reuniões importantes.

7) Não perca tempo fazendo ginástica, nadando, pescando, jogando bola ou tênis, afinal, tempo é dinheiro.

8) Nunca tire férias. Você não precisa disso. Lembre-se que você é de ferro.

9) Centralize todo o trabalho em você, controle e examine tudo para ver se nada está errado. Delegar é pura bobagem: é tudo com você mesmo.

10) Se sentir que está perdendo o ritmo, o fôlego e pintar aquela dor de estômago, tome logo estimulantes energéticos e anti-ácidos. Eles vão te deixar tinindo.

11) Se tiver dificuldades em dormir,não perca tempo: tome calmantes e sedativos de todos os  tipos. Agem rápido e são baratos.

12) e por último, o mais importante: não se permita ter momentos de oração, meditação, audição de uma boa música e reflexão sobre sua vida. Isso é para crédulos e tolos sensíveis.

Repita para si:
Eu não perco tempo com bobagens.
Duvido que, seguindo à risca os conselhos acima, você não terá um belo infarto.