sábado, 14 de maio de 2011

Vai um pouco de carinho aí? (sobre conflitos entre Y, X e Baby boomers)

Esses dias eu li um artigo no portal Administradores.com sobre o temperamento explosivo no ambiente profissional.  Eu já tinha esse texto começado sobre o assunto. Não o considero completo e estou consciente que há vários aspectos a serem amadurecidos nas minhas reflexões aqui, mas resolvi socializá-lo com vocês de forma bem leve, sem as exigências de uma pesquisa de campo com o devido rigor acadêmico, apenas como notas de rascunho de uma observadora do clima e da cultura organizacional, que achou o quadro muito curioso e decidiu escrever sobre isso antes que a ideia escapasse. Além do que, no artigo passado falei da transparência da Geração Y e sinto que ainda preciso desdobrar este assunto por algum tempo, pois qualquer generalização das situações é sempre muito perigosa.

Nos últimos anos eu presenciei  algumas situações muito excêntricas nas organizações, que preciso reportar aqui pelo número de vezes que elas se repetiram estar além do nomal. Tratava-se de aprendizes que projetavam nos seus mentores uma exagerada expectativa de perfeição. Praticamente idolatravam estes  mentores, e quando "descobriam" que eles eram meros mortais, falhos como qualquer ser humano normal, demonstravam sua fúria das mais diversas formas. Em geral com mensagens de e-mails quilométricas, verborrágicas, cuja coerência de linguagem destoava totalmente do escopo da relação entre mentor e mentorado e invadia, com bárbaros julgamentos difamatórios,  a vida pessoal do mentor, até pouco tempo atrás  idolatrado. Eram palavras tão duras, ditas em nome de uma suposta honestidade/franqueza/sinceridade que empurravam o mentor de um abismo e o precipitavam para abaixo do nível do mar... e digo do Mar Morto, que está 400 m abaixo. Isso no ambiente organizacional é um transtorno infernal.

Nas vezes que isso aconteceu eu fiquei me perguntando: onde foi que aquele mentor errou tanto para merecer um tratamento tão cheio de ingratidão e violência? Eu observei  algumas questões, e como disse antes, carecem de mais maturação, mas ainda que consiga aprofundá-las depois, minha linha de raciocínio continua na mesma direção, então pontuarei a peculiaridade dos fatos para depois tentar construir uma resposta, ainda que provisória.

1) Todas as vezes que presenciei esta explosão indignada de um mentorado tratava-se de um mentor experiente (X ou Baby boomer) sendo enfrentado por um mentorado Y.

2) Todos os mentorados Y que procederam desta forma eram intelectualmente brilhantes.

3) Todos os mentores que foram tratados assim eram profissionais magníficos, com competências, produtividade e  ética superiores às da maioria dos gestores de suas gerações.

4) Todas as vezes que um mentorado procedeu desta forma ele nutrira, por seu mentor, uma vinculação afetiva tóxica,  de intensidade parecida com uma dependência química.

5) Todas as vezes que um mentorado Y agrediu verbalmente seu mentor X ou Baby Boomer, ele estava totalmente convencido de ter poderes para corrigir seu mentor.

6) Esses mentorados tinham plena convicção que, com aquela explosão, estavam prestando um serviço à sociedade, já que são poucas as pessoas que teriam coragem de serem honestas como eles o foram.

7) Os mentorados eram pessoas com convicções morais e éticas profundamente arraigadas e muito idealistas.

É fato que quem não chegou aos 40, 45 ou 50 anos ainda não experimentou as melhores coisas da vida. Falo isso porque estou nos meus orgulhosos 45 e a beleza da vida agora não tem comparação com aquilo que eu conseguia perceber quando tinha meus 20 e poucos ou 30 anos, era uma visão completamente daltônica da vida. Depois dos 40 a mente abre de uma forma assombrosa e olhamos para trás nos sentindo infinitamente infantis até o "dia de ontem", quando tínhamos 39. Então me incomoda que pessoas nos seus 25 - 35 anos acreditem mesmo que tem bagagem suficiente para corrigir pessoas mais velhas com aquele nível de verborragia que presenciei e se sintam ofendidas quando não lhes damos esse crédito.

Mas me incomoda ainda mais que os jovens que mencionei, se mantivessem tão dependentes da imagem perfeita que construíram sobre seus mentores, esquecendo que eles também são humanos e imperfeitos como qualquer outra pessoa. Expectativa muito alta, queda catastrófica.

O que faz, mentes brilhantes, com tanto potencial criativo, passarem por uma descompensação emocional deste nível,  a ponto de quebrarem relações com seus mentores, pessoas que lhes seriam tremendamente importantes por toda a vida?  Que necessidade é esta de manter seu mentor-herói numa redoma tão protegida pelo imaginário do mentorado que nem o próprio mentor tem direito de sair daquele espaço? Se o mentor ousa sair, o mentorado prefere matá-lo com palavras escolhidas para machucar.

Quem estes jovens respeitavam de verdade? A pessoa do mentor ou a imagem que construíram sobre ele? É fato também que são poucos os mentores X ou Baby boomers que estão dispostos a encarar uma mentoria de alguém na Geração Y. É mais fácil encontrá-los afirmando: "eles são muito cobertos de razão, acham que já sabem tudo". E no fundo, há poucos Y que acham que precisam ser mentorados, isso é fato. A "segunda milha" precisa ser caminhada pelos dois lados.

Eu suspeito, e alguém certamente irá discordar de mim,  que muitos destes jovens profissionais sentem uma enorme necessidade de possuir super-heróis, mas não estão encontrando bons exemplos a seguir. Talvez porque muitos deles foram criados sem presença efetiva dos pais, que por sua vez estavam envolvidos demais com o trabalho e preferiram lhes dar coisas  para tentar sarar esta ausência física e emocional imperdoável. Provavelmente foram jovens que passaram mais tempo na frente do computador, dos video-games e da TV do que se relacionando com outras pessoas. Não tiveram oportunidade de aprenderem a ter tato nos relacionamentos e confundem franqueza com brutalidade, honestidade com desrespeito, pois reparo certo nível de comportamento anti-social agregado a isso tudo com alguma frequência.

"Freud explica", logicamente muito melhor que eu, mas talvez estes mentorados tenham, no fundo, uma carência paterna/materna que acaba sendo nutrida no ambiente  profissional pela figura de seus mentores. E quando estes mentores não correspondem ao perfil que construíram no imaginário destes jovens eles se tornam imediatamente alvos de apedrejamento.

Os Y  são rapazes e moças com alta dose de idealismo ético, e que muitas vezes se vêem atrapalhados na hora de colocar estas ideias em prática. Eles precisam de mentores que os ajudem a trilhar este caminho, então quando um desses mentores os decepciona, a fúria é muito grande e a maturidade para lidar com a questão só vai chegar quando eles estiverem com a nossa idade.

Em outro texto aqui neste site, eu falei que em geral se pensa que eles são altamente egocentrados, mas há variantes desta situação que realmente nos surpreendem pois são os Y que estão mais preocupados com as questões de sustentabilidade e responsabilidade social. Há um potencial de alteridade que ainda não foi devidamente trabalhado nos Y que se mostra um completo desperdício de talento.

Obviamente nem todos os Y se enquadram nesta descrição. Minha constatação é fruto de uma repetição do quadro em vários ambientes diferentes num espaço de uns dois anos. Logicamente haverá Y que não correspondem a este perfil. Há Y e X e Baby boomers que são simplesmente intratáveis. Gente difícil é difícil em qualquer fase da vida. Mas eu acredito que o caminho de construção de relações saudáveis neste abismo de gerações ainda passa pela ternura,obviamente emitida dos dois lados.

Sem querer fazer propaganda do tal banco, há campanhas publicitárias inteligentes que merecem aplauso, esta é uma delas.O mundo está mudando, a possibilidade de tantas gerações terem que conviver juntas no ambiente profissional só aumenta a cada dia. Temos que encontrar formas mais holísticas de resolver esses tantos conflitos.


Se a gente tentar, será que dá certo?
Vai um pouco de carinho aí?